Desde que iniciou a graduação, a bióloga Susi Pereira Luiz, de 42 anos, tinha o sonho de realizar doutorado. Ainda que distante naquela época, com muita determinação, esforço e coragem, o que estava apenas no campo das ideias passou a ser uma realidade – mas não exatamente como ela imaginou.
“Achei que, durante o doutorado, eu me inspiraria. Afinal, finalmente estaria fazendo o que me fazia feliz e seria realizada pesquisando. Hoje, depois de 24 meses, com mais 12 pela frente, só consigo pensar que colecionei noites sem dormir, perdi momentos importantes do crescimento da minha filha e ganhei uma depressão ”, contou ela.
A realidade de Susi não é uma exceção. Recentemente, um estudo publicado pela revista científica Nature Biotechnology mostrou que pessoas que fazem doutorado podem ser até seis vezes mais propensas a desenvolver ansiedade e depressão se comparadas à população em geral.
O estudo liderado pelo pesquisador Nathan Vanderford, da Universidade de Kentucky (EUA), apontou que 39% dos candidatos a doutor sofrem de depressão moderada ou severa, enquanto apenas 6% das pessoas que não são doutorandos apresentam as mesmas condições.
Para sustentar a ideia de que ser um doutorando é o diferencial para as más condições de saúde mental, e não se trata apenas de características que não sejam exclusivas dos estudantes, um estudo realizado na Universidade de Gent, em Flandres, na Bélgica, concluiu que os doutorandos, em comparação com outros grupos profissionais com alta formação, são mesmo mais afetados por sintomas de deterioração na saúde mental.
“Esta é uma publicação muito importante, porque progressivamente estamos compreendendo que existem problemas de saúde mental entre os doutorandos, e estudos como este nos ajudam a entender melhor suas causas”, afirmou Vanderford.
Situação no Brasil
Para o psicólogo, doutor em neurociência do comportamento e diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental – Equilíbrio (CASME) Yuri Busin, a realidade brasileira dos alunos de doutorado também se assemelha com o que foi mostrado no estudo.
“Grande parte dos doutorandos têm questões de ansiedade, autocobrança excessiva, questionamentos que podem ser naturais por se tratar de um trabalho tão longo, até quatro anos de pesquisa, focado em um assunto muito específico. Diferente de uma graduação ou mestrado é possível ter contato com várias áreas de conhecimento”, explicou Busin.
O especialista admite que o doutorado exige muito esforço, dedicação, e por isso a frustração acaba sendo inevitável na maioria das situações. Nem sempre tudo o que é depositado pelo aluno durante a pesquisa dá o retorno esperado e por isso, a cobrança para que esse patamar idealizado seja alcançado é muito grande.
“Fora que, no Brasil, o incentivo é pouco. As raras bolsas de estudo que existem, são baixas, e programas que apoiam os estudantes estão cada vez mais escassos, com os cortes do governo”, ressaltou Busin.
No entanto, quando os problemas relacionados à insatisfação causados pelo curso começam a atrapalhar a vida do estudante, é preciso buscar ajuda médica. Sinais de ansiedade, pensamentos negativos frequentes, dificuldade para produzir, estado deprimido constante, falta de vontade e sensação de que nada mais faz sentido podem indicar que é hora de procurar um especialista.
“O ideal é procurar sempre uma ajuda de um psicólogo, independente da causa do problema. E aí, dependendo da gravidade do caso, se a pessoa está em um estado grave que precisa de intervenção medicamentosa para superar a condição, o encaminhamento para o psiquiatra é feito”, finalizou.