sexta-feira, 19 de abril de 2024

Cerca de 22% dos trabalhadores resgatados no país em trabalho análogos à escravidão são maranhenses

“A pessoa sai de casa, porque no local em que ela mora não tem serviço. Então, para você sustentar a sua família, você tem que trabalhar em outras cidades. Quando cheguei no meu local de trabalho, depois de dois dias intensos de viagem, a gente foi colocado em barracos velhos. A gente fica sem notícias da família. A gente fica sem saber o que está acontecendo. É um pesadelo.”

A gente fica sem notícias da família.
A gente fica sem saber o que está acontecendo. É um pesadelo.”

O relato acima é de Sebastião de Oliveira Cunha, homem negro de 53 anos. O maranhense foi mais uma vítima do trabalho análogo à escravidão, sendo resgatado três vezes: em 2009, 2010 e 2012. Ele mora no povoado de Juçareira, município de Monção (MA). Sem nenhum emprego, achou propostas de trabalhos que, aparentemente, dariam a ele e à família a chance de uma vida melhor.

Com o dinheiro que ia receber do patrão, poderia comprar comida e arrumar a casa. Isso nunca aconteceu. Antes mesmo de chegar no local onde trabalharia, já acumulava dívidas altíssimas. Para se ter uma ideia, até as ferramentas que seriam usadas na fazenda tiveram que ser compradas pelos trabalhadores. O valor era adicionado aos gastos mensais, que só aumentava. A promessa de emprego que o atraiu nunca foi cumprida.

Seu Sebastião é apenas um das centenas de maranhenses que foram vítimas do trabalho análogo à escravidão. Os dados Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA) são alarmantes: 22% dos trabalhadores resgatados em todo o país nasceram em território maranhense.

O levantamento mostra também que dos 10 municípios brasileiros com o maior número de vítimas do trabalho escravo, conforme o local de nascimento declarado, cinco são do Maranhão: Codó, Imperatriz, Pastos Bons, Santa Luzia e Caxias.

Não é só nesse ranking que o MA aparece em primeiro lugar. Em relação ao número de pessoas em situação de extrema pobreza, o estado é campeão. É como se houvesse uma relação direta entre os mais pobres e o trabalho escravo. Em 2019, pouco antes da pandemia, no MA,1,4 milhões de pessoas viviam em situação de miséria, de acordo com dados do IBGE.

O professor do curso de direito do Centro Universitário Estácio São Luís, Diogo Viana, explica que a pobreza torna essas pessoas vulneráveis a esse tipo de trabalho degradante, pois elas buscam um emprego que consiga dar um retorno financeiro, suprindo as necessidades básicas do dia a dia, como, por exemplo, ter comida na geladeira.

“Os mais pobres precisam de um emprego, pois querem proporcionar à família uma condição de vida melhor. Mas, infelizmente, essa situação piora ainda mais a vida de quem já vive sem o mínimo para sobreviver. Afastados da família, esses trabalhadores perdem o contato com as pessoas que eles mais amam. Outros, não conseguem voltar para casa”, alerta.

O professor acrescenta que o trabalho análogo à escravidão acaba se tornando um ciclo perigoso, como aconteceu com seu Sebastião que foi vítima por três vezes desse tipo de crime.

Para combater essa prática, ele explica que é preciso pensar de forma mais ampla no acolhimento das vítimas, pois se elas continuarem na mesma situação de pobreza, é provável que sejam aliciadas mais vezes.

“É preciso – urgentemente – reduzir a vulnerabilidade dos mais pobres. Caso contrário, a pobreza extrema vai aumentar junto com os casos de trabalho escravo. O foco deve ser na educação e geração de empregos que cumpram as normas da CLT. Além disso, quem já foi vítima deve receber assistência constante para que não volte à mesma situação. Cursos profissionalizantes e inserção dessas pessoas no mercado de trabalho proporcionam melhores condições de vida”, finaliza.

Casos recentes

Em julho de 2021, em meio à pandemia, 11 pessoas foram resgatadas, na cidade de Mirador, a 485 km de São Luís. Os trabalhadores só tinham descanso depois de 40 dias de trabalho em carvoarias da região. Já em 04 de abril de 2022, 49 trabalhadores maranhenses que prestavam serviços na colheita de maçã foram resgatados durante uma operação realizada na cidade de São Joaquim, no Estado de Santa Catarina. Eles eram da cidade de Caxias e não conseguiram voltar para o Maranhão por terem dívidas com o aliciador.

Como denunciar

Uma das formas mais eficazes de dar um fim a esse tipo de crime é denunciando. Quem souber de casos de trabalhadores que estejam em situações de trabalho análogas à escravidão podem acessar os canais digitais da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, realizando todas etapas da denúncia pela internet, sem que precisem sair de casa. Basta acessar aqui.

Com informações da Ascom Estácio.

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