segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

CRÔNICA: Crimes da terra, como perdoá-los?

Acabou a chuva. Houve uma eleição e um homem foi escolhido; o mesmo homem que ali estava. 3% a mais do que a metade dos eleitores que ousaram se manifestar, resolveram manter o prefeito no cargo. 3% além da metade é muito pouco. Como seria se não houvesse campanha ou horas extra de trabalho, deixando a escolha apenas para os eleitores e suas vontade e consciência?  Blake escreveu, no século XXIII, uns versos que diziam:

se o soldado suspira de desdita

o sangue mancha os muros palacianos. 

E o mundo não muda. Drummond também arrefeceu um dia: “Crimes da terra, como perdoá-los?”. Mas achando belos, alguns foram publicados. As palavras são os crimes da terra. Palavras, que, então palavras, são nada mais do que palavras.

E a primeira tarde pós-eleição se escorre num Maranhão modorrento. Há uma ressaca de comunicação. Julgamentos, comemorações, acusações, xingamentos. Até hoje ecoa o estampido surdo de palavras ditas e escritas nesta eleição. Ainda hoje pela manhã, o “candidato derrotado” era questionado pelas hostes adversárias. Se seria honesto, se seria genuíno, se seria uma promessa ou um engodo. 

Sob a pele das palavras há cifras e códigos. 

Talvez fosse hoje um dia de descanso, de juntar os mortos, de limpar as feridas. Mas, como quando os romanos se refizeram da derrota para Aníbal, e reverteram a condição, não se satisfizeram com a vitória, era preciso, além de queimar Cartago, cobri-la de sal, para que ali não nascesse mais um pé de urtiga sequer.

Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Sem ingenuidade, deveríamos ter uma festa democrática. Onde a honra maior seria um agradecimento pela luta justa, pelo equilíbrio de forças e pelo cumprimento das regras. Alguém diria que não estamos em Asgard ou em Christiania.

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.

Ideias como “no amor e na guerra vale tudo” se estendem mais que baladeira de liga de soro; que pena! Em nada vale tudo. O mundo gira entre os extremos sem se aquietar em nenhum dos dois. Sempre que quiseram que fosse diferente, o mundo ficou um pouco pior: Napoleão, Stalin, Hitler, Pinochet… (faça sua lista). O sangue necessário deve vir dos doadores, apenas. E os maiores cumprimentos vão para o melhor espadachim e não para assassinos.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. 

Para quem nasceu na década de sessenta ou setenta viu, no Brasil, muita injustiça, muita violência e muita desigualdade. De 1964 a 1989 só vimos tristeza e frustração. Com todos os militares e com Sarney; com este último o país chegou a beira do colapso. Somente a partir de 1992 experimentamos um ar político menos poluído. Mas passamos pouco mais de 20 anos em relativa estabilidade. A partir de 2015 vimos o abismo se mostrar e este ano se abrir novamente a nossos pés.

Precisamos nos desviar de mais uma certificação do eterno retorno, com sucessivos núcleos absolutistas; dos leviatãs, dos príncipes. Mas, a República é um arranjo de dominós que começa em Brasília. Já deram o peteleco na primeira peça. A esperança para os próximos 20 anos Parece Este Caso, 241 meses de águas são turvas.

P.S. – Os versos são do poema A flor e a náusea, de Carlos Drummond de Andrade

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