Encontrei seu Onésio indignado, falando sozinho enquanto consertava uma cerca no fundo da solta, que dividia nossos terrenos. Apoiei o cotovelo na sela do cavalo e consegui entender a palavra muro no meio do resmungo do velho.
Apeei e segui puxando Tiquinho, que tava mais era doido pra provar o quicuio novinho que eu fui ver se tinha dado certo. E tinha! O velho enfiava o escavadeira com gosto no chão, com aquele restinho de orvalho, nas folhagens do amanhecer.
– Eba, seu Onésio!
– ô, seu Geraldo, o senhor tá aqui?
– Pois é… Vim ver se o capim tinha dado certo. E deu!
O velho se esticou olhando o entorno; feliz de ver tudo bem entre nós e entre as terras. “Que bom se o mundo fosse que nem nós, né, seu Geraldo?”. Pensei se ele falava do processo, que resolvemos sem brigar (muito) ou se era a promessa de ceder a semente do quicuio a ele. Não tergiversei: “Que nem nós de amigo, ou de inimigo, seu Onésio?” Ele se riu, enquanto tomava água da garrafa térmica vermelha, novinha.
– Por que o senhor tá fazendo cerca? Cadê o vaqueiro?
– Mandei embora. As cobra aqui só pica as minhas vacas, as dele, nunca.
E rimos, juntos. Até que perguntei. Que muro é esse que o senhor resmungava, seu Onésio? “O do Trump”, respondeu ele. “Aquele que o Trump quer fazer pra separar o país dele do México. Já pensou, seu Geraldo, se revolvessem fazer um muro pra separar o Brasil da Venezuela?”.
Fiquei pensando que tinha visto na noite anterior a reportagem sobre os venezuelanos se virando nas cidades do norte do Brasil, também tão judiadas. Não, seu Onésio, ainda não pensei. Como seria esse muro?
– Primeiro eles iam abrir a licitação bem demorada enquanto davam um jeito de burlar e escolher a construtora certa. Quando desse o jeito começariam e parariam o muro umas três ou quatro vez. Aí aditariam mais uns 30% para retomar as obras, parariam mais umas duas vez. Aí inaugurariam o muro ainda inacabado. Cancelariam o contrato com a construtora por irregularidade. Fariam nova licitação com outra construtora, que seria a subsidiária da primeira que foi cancelada. Fariam mais um adito de 30% e terminariam o muro. Depois da reinauguração um grupo de venezuelanos faria uma manifestação contra o muro. Na manifestação pressionariam e o muro que cairia. Na queda algumas pessoas ficariam machucadas e entrariam na justiça e ganhariam uma indenização do governo brasileiro. Então outra licitação seria feita para a reforma do muro. A vencedora da licitação seria a segunda subsidiária da obra, que receberia 70% do orçamento pra iniciar a obra de reforma. Depois disso entraria em pauta no STF a constitucionalidade o não da construção do muro e o STF julgaria que era inconstitucional e deixariam a obra de mão.
O Tiquinho deu um relincho. Pensei que tava me gozando. O seu Onésio tava. Convidei o velho pra ir almoçar lá em casa, que ia ter capote. Ele disse “Vô, sim”. Montei o Tiquinho e segui a trote, pensando como seu Onésio podia pensar em Trump, com o prefeito fazendo açude na fazenda dele com a carregadeira da prefeitura e nós pagando, na amizade, 300 a hora.