segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada, agora tem

 

Inauguraram uma casa reformada no bairro do Desterro! Placa, cortininha, imprensa, prefeito: páh… inauguraram! Tá lá; novinha em folha.

Certa vez, numa palestra do juiz Alberto Tavares, ele contava sobre os tempos áureos da zona do baixo meretrício, na época espalhada pela Rua 28 de Julho, ou rua da Palma (confunde-se); dizia o magistrado aposentado que o referido lugar era chamado pelas esposas de “cidade do pecado”. Coisas do mundo romântico! Diria um estudante de doutorado.

A zona do baixo meretrício mudou de lugar (agora é um “sem lugar”), mas a Rua da Palma ficou, o bairro do Desterro ficou… Ficou a mercê do tempo e do esquecimento, das chuvas e da dor. Ali os casarões esperam pelo fim como condenados a morte.

Quando virá o perdão? E ele vem como julgamentos tardios que revelam inocentes. Se é que há. No Desterro a inocência se perdeu em muitos. Talvez ali mesmo naquela casa, aquela casinha de esquina, pequenina que outro dia mesmo era uma casa tão poética como aquela que “não tinha teto, não tinha nada”; mas diferente daquela, por que nesta se podia fazer pipi; quase só isso, além de fumar crack.

Esta casa se foi. Agora reina ali o ar da limpeza. É uma casa pra amparar craqueiros, “vencidos e degenerados”, desvalidos de maneira geral. É o que dizem. Ela se impõe às outras casinhas poéticas sem parnasianismos, casinhas tortas, sem rima, sem métrica que amparam pessoas iguais; pessoas iguais ao Desterro, que são sombras da noite e da sociedade, aqueles lumpens dos quais nem mais se fala. A casinha muda de lado, ultrapassa a linha de sombra que cria dois desterros, os poucos que se salvam e os muitos que agonizam.

A região do Desterro, antiga região das cortesãs deu lugar à corte, para descerrar o pano que reinsere no tempo, ou que tira essa casa do rol dos condenados. As outras casinhas empenadas terão que resistir ao inverno que chegou, ainda que ralo.

Muitos pomposos casarões em estado sabático vão ter que esperar mais e mais.

 

 

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