O valor do Facebook na bolsa de valores de tecnologia dos Estados Unidos encolheu impressionantes US$ 35 bilhões (ou aproximadamente R$ 115,5 bilhões) entre a manhã e o anoitecer desta última segunda-feira (19).
Para efeito de comparação, as ações da rede social caíram, só nesta segunda, o equivalente ao valor de mais de 200 mil casas populares no Brasil.
Até o fechamento do dia na Nasdaq, em Nova York, as ações do Facebook haviam caído 6,7%.
Esta é a maior redução percentual em valor de mercado do Facebook em um só dia em quatro anos, levando a capitalização de mercado da empresa de US$ 537 bilhões (ou R$ 1,77 trilhão), registrados na sexta-feira à noite, para aproximadamente US$ 500 bilhões no fim desta segunda.
O resultado teve reflexos nas principais empresas do ramo, que também tiveram resultados negativos nos EUA (enquanto a empresa que controla o Google caiu 3%, outras gigantes como Amazon, Netflix e Apple registraram quedas de até 1,5% nesta segunda-feira).
A âncora que afunda os papéis da empresa de Mark Zuckerberg foi lançada durante este fim de semana, quando diferentes reportagens da imprensa internacional denunciaram que uma consultoria teria usado informações privadas roubadas de mais de 50 milhões de membros do Facebook.
Os perfis das pessoas que integram a rede social são considerados “moeda valiosa” na guerra de marketing eleitoral. Isto porque as interações no Facebook revelam muito sobre nossa personalidade, interesses, medos e opiniões.
Com base nestas informações, empresas podem desenvolver algorítimos para direcionar de forma personalizada publicidade, artigos ou mensagens de cunho político adequadas aos interesses de cada um ou com maior potencial de causar impacto.
Procurado pela BBC Brasil, o Facebook nos Estados Unidos não comentou as perdas na bolsa americana, nem o escândalo revelado no fim de semana.
O caso
O pivô do escândalo é a Cambridge Analytica, uma empresa de análise de dados que trabalhou com a equipe responsável pela campanha de Donald Trump nas eleições de 2016, nos Estados Unidos. Na Europa, a empresa foi contratada pelo grupo que promovia o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia).
Segundo os jornais britânicos The Guardian e The Observer, e o americano The New York Times, a consultoria comprou informações pessoais de usuários do Facebook sem autorização e as usou para criar um sistema que teria permitido predizer e influenciar as escolhas dos eleitores nas urnas.
As informações foram coletadas por um aplicativo chamado thisisyourdigitallife (essa é sua vida digital, em português), que pagou centenas de milhares de usuários pequenas quantias para que eles fizessem um teste de personalidade e concordassem em ter seus dados coletados para uso acadêmico – o app foi desenvolvido por Aleksandr Kogan, um pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido (a universidade não tem ligações com a Cambridge Analytica).
Além da óbvia questão de que muitos usuários não leem os longos termos e condições e mal sabem que estão dando suas informações, o grande problema foi que o aplicativo também coletou as informações dos amigos de Facebook das pessoas que fizeram o teste, sem autorização.
À época, a política do Facebook permitia a terceiros a coleta de dados de amigos, mas apenas para melhorar a experiência do próprio usuário no aplicativo. Era proibido que os dados fossem vendidos ou usados para propaganda.
De acordo com a imprensa americana, 270 mil pessoas fizeram o quiz – mas os termos de uso, que costumam ser ignorados pela maioria, permitiam que desenvolvedores tivessem acesso aos dados dos amigos dos usuários.
Isso teria feito o número de pessoas com dados coletados saltar para a casa dos 50 milhões. As informações obtidas por meio do teste de personalidade foram vendidas à Cambridge Analytica, segundo contou o ex-funcionário da empresa Christopher Wylie, que é um pesquisador canadense na área de ciência da computação, aos jornais The New York Times e The Guardian.
Segundo as publicações, os dados obtidos pela consultoria incluem detalhes da identidade de usuários do Facebook, publicações, curtidas e rede de amigos.
O Facebook demorou para agir?
Entre as provas apresentadas por Wylie estão uma carta de advogados do Facebook enviada a ele em agosto de 2016, pedindo para que destruísse os dados coletados por meio do teste de personalidade criado pelo acadêmico Aleksandr Kogan.
A carta foi enviada alguns meses depois de uma reportagem do The Guardian apontar possíveis irregularidades no acesso a perfis de usuários da rede social e dias antes da Cambridge Analytica passar a atuar na campanha de Trump.
“Porque os dados foram obtidos e usados sem permissão e porque a GSR (empresa criada por Kogan para obter os perfis de quem fez o quiz) não estava autorizada a compartilhar ou vender o material a você, ele não pode ser usado legitimamente no futuro e deve ser deletado imediatamente”, diz a carta do Facebook.
O que diz o Facebook?
O Facebook diz que havia sido informado de que os dados dos usuários seriam usados para fins acadêmicos. A rede social apagou as contas da Cambridge Analytica na sexta-feira, argumentando que a consultoria usou os dados irregularmente. O ex-funcionário que denunciou o esquema disse, no entanto, que o Facebook já sabia do uso dos dados desde 2016.
Já a Cambridge Analytica nega que tenha usado os dados e afirma que apagou todas as informações assim que soube que elas foram colhidas irregularmente.
Mas o The New York Times afirma que, com base em entrevistas com ex-funcionários da empresa e em emails e documentos, a Cambridge Analytica não apenas usou os dados do Facebook para fazer marketing político, mas ainda mantém a maioria dessas informações.
Desde que o escândalo veio à tona, o cofundador do Facebook Mark Zuckerberg perdeu, sozinho, quase US$ 5 bilhões.