terça-feira, 10 de dezembro de 2024

OPINIÃO: Nos arraias da minha vida

Quando a noite chegava, havia um cheiro de fumaça fazendo neblina nas ruas da minha infância.

A vitrola anunciava que a quadrilha iria entrar nos quintais da vizinhança, na voz e na sanfona de Luiz Gonzaga: a fogueira está queimando em homenagem a São João!

Calças com remendo, chapéus de palha, vestidos de Chita e eu ensaiava o mês inteiro a dança do coco: – oi pisa o milho penerô xerém! Eu não vou criar galinha pra dar milho pra ninguém!

Nas ruas da Belira, do Codozinho, do Lira, da Madre-Deus, haviam chamas acesas em cada fogueira rodeada por seus padrinhos como um momento solene de batizado.

O dia amanhecia em festa. Contávamos as horas para chegar a Casa Amarela e renovar nosso estoque de fogos de artifício.

Na Rua do Passeio, estrelinhas em nossas mãos se confundiam com o céu estrelado na brisa de junho que anunciava a chegada do verão.

Entre foguetes e bombas de murrão, espanta moscas e besouros, ouvíamos atentos pessoas passarem batendo pedaços de madeira com as mãos. De repente, haviam índias e caboclos entoando uma cantiga que parecia contar uma história. E eu me perdia naquela melodia que me fazia dançar entre os tambores, bailando com um touro encantado que parecia flutuar no meio daquele batalhão.

Havia um misto de medo e curiosidade, de magia e encantamento.

Havia muitos cheiros no ar confundindo meus sentidos e o meu paladar provava a vida entre o azedo da vinagreira no cuxá ao doce do mingau de milho. E em meio a toda essa festa, foguetes anunciava uma grande procissão. Todos se aninhavam em suas portas para ver São João passar. Nunca tinha visto tantas velas acesas e a banda acompanhava um grande coral de vozes pedindo proteção.

Foi quando escutei: – menino, tira o chapéu em respeito! E as pessoas gritavam: – viva São João!

E eu, pequeno diante de tanta fé só pedi ao santo que aquela noite de tanta felicidade nunca acabasse.

Hoje, toda vez que chega o São João, eu penduro bandeirinhas no meu coração e acendo uma fogueira em minha alma, porque em junho, eu explodo feito bomba de alegria e brilho feito estrelinhas nos arraiais da minha ilha.

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