sexta-feira, 29 de março de 2024

Una broma papal

Papa Francisco, do alto de sua Santidade, respondendo ao apelo que um sacerdote brasileiro lhe fez, publicamente, para que rezasse pelos brasileiros, respondeu, no ato, dizendo que não tinham salvação. E justificou: muita cachaça e pouca oração.

Sorte de o Papa não ser presidente dos brasileiros, pois, se fosse, as manchetes da mídia órfã das verbas públicas seriam mais ou menos assim, pelo diálogo e suas consequências no Supremo:

Presidente Francisco não esconde origem argentina e nega salvação a brasileiros.

Supremo obriga presidente Francisco a rezar pelos argentinos.

Presidente Francisco chama brasileiros de cachaceiros.

Supremo obriga presidente Francisco a financiar alambiques.

Presidente Francisco ameaça cachaceiros com excomunhão.

Supremo inclui cachaça no bolsa família.

Presidente Francisco incentiva conflito entre cachaceiros e devotos.

Supremo proíbe presidente Francisco de dar auxílio emergencial a abstêmios.

Presidente Francisco cria embaraços diplomáticos com Vaticano.

Supremo manda Governo liberar verbas para aquisição de indulgências para cachaceiros.

Presidente Francisco proíbe cachaceiros de oferecer a dose do santo.

Supremo adota a dose do santo para os vinhos importados que consome.

Romeiros de Aparecida e do Círio de Belém pedem impeachment do presidente Francisco.

Supremo afasta presidente Francisco e coloca Santo Onofre no cargo.

Contudo, quem falou foi o Papa, logo, a mesma mídia que atacaria o presidente Francisco porque este lhe teria fechado o “ladrão” do cofre, por onde escoava a verba pública, tem outra manchete:

  • Es una broma papal.

É claro que é direito de Sua Santidade mandar os brasileiros para o pior dos cenários de Dante, o convívio maternal de algum representante popular, ou até fazer inveja a Fausto e entregar suas almas a Mefistófeles.

Sendo Papa e não presidente dos brasileiros, escapa até da CPI que seria inevitável, para apurar, não por que os brasileiros não têm salvação, mas, quem falou para Sua Santidade da cachaça. Afinal, se forem mexer na cachaça vão descobrir as verbas desviadas desde os tempos da SUDAM e SUDENE para as usinas de cana-de-açúcar e descobrir que a corrupção é coisa de DNA.

Seria um vexame. Ia ter gente se recusando até a fazer exame de sangue com medo de encontrarem dólar nos nucleotídeos do DNA perdidos nas suas ceroulas.

De qualquer maneira, o Papa, com a força de sua infalibilidade, já decretou: os brasileiros não têm salvação. Só o interlocutor da broma, que fez questão de informar a mídia: “Depois de brincar ele fez o sinal da cruz na minha testa”.

Por que o Papa teria brincado com a salvação do País? Será por que é argentino e alimenta a suposta rivalidade com os brasileiros? Ou será por que o Santos venceu por 3 x 1 seu time, o San Lorenzo, em Buenos Aires?

Não importa. Salvação e oração são temas de sua alçada. Mesmo assim es una broma equivocada. Não quanto à cachaça, que há muita, mesmo. Mas quanto à oração, pois há muita, também. Talvez quem tenha passado as informações para o Papa sobre as orações seja a mesma pessoa que informou sobre a cachaça. Alguém que conhece muito de cachaça e pouco ou nada de oração.

Bromas à parte, deve-se levar a sério o recado do Papa, pois os cachaceiros que ele parece prestigiar não querem a salvação dos brasileiros. Só poder, inclusive para acabar com a religião.

Que Deus, a despeito da broma pontifícia, proteja os brasileiros, especialmente o abençoado pelo Papa, de quem ganhou um sorriso afetuoso, porque, no Brasil, pelas regras de CPI, sorrisos são ameaçadores e irritantes.

*Advogado e jornalista

Legenda da ilustração: La Mappa dell’ Inferno – Sandro Botticelli

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