Se o infarto e o acidente vascular cerebral são situações de pico, verdadeiras explosões no organismo, a trajetória de ambos se forma de maneira silenciosa. Essa contradição, entre a explosão e o silêncio, acaba causando uma confusão na mente das pessoas. Muitas nem se dão conta dos reais perigos das doenças cardiovasculares, apesar de, teoricamente, saberem que eles existem.
Levantamento recente do Instituto Americano Harris Poll, especializado em pesquisas de opinião, com patrocínio da Sanofi e em parceria com a Regeneron Pharmaceuticals Inc., apontou que somente 8% das pessoas conhecem os valores de colesterol LDL obtidos em seus exames recentes. Boa parte dos entrevistados, porém, sabe que colesterol em si é um fator que pode levar à morte.
O clínico geral Décio Gurfinkel, também especializado em cardiologia, do Hospital Metropolitano em São Paulo, aponta como causa para esse desconhecimento a falta da real informação de que o problema não é relativo apenas ao outro – pode acontecer com qualquer um, principalmente se este estiver no grupo de risco. E não pode ficar restrita a campanhas, bastante válidas, segundo ele, como a do Dia Mundial do Coração, lembrado neste 29 de setembro.
— O importante sempre é a informação. Não basta haver a campanha uma só vez no ano e ficar por isso mesmo, tem de bater na tecla várias vezes, o ano inteiro, para as pessoas se conscientizarem, se educarem a respeito do perigo dos fatores de risco, como o do alto nível de LDL no organismo.
Mas como tornar palpável a percepção de que artérias estejam sendo entupidas dia a dia, enquanto homens, mulheres e até jovens se apegam à rotina concreta dos escritórios, do trânsito, do noticiário? Na opinião de Gilson Soares Feitosa Filho, doutor em cardiologia pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da Escola Baiana de Medicina, uma das maneiras de informar é trazer à tona a informação de que as doenças cardiovasculares, no Brasil e no mundo, são as que mais matam, acima de doenças como o câncer. Ele explica:
— As pessoas fazem muita confusão. O chamado colesterol ruim, que é o LDL (em português, Lipoproteínas de Baixa Densidade), leva o colesterol para a placa das artérias e vai causando o entupimento das artérias. O colesterol bom, que é o HDL (em português, Lipoproteínas de Alta Densidade), tira o colesterol das placas para levar para o fígado. Quanto mais alto o HDL, melhor. E quanto mais alto o LDL, pior.
Do ponto de vista químico, o colesterol é um álcool (tido como gordura), que não se mistura ao sangue. Para transitar pelas veias e artérias é conduzido por essas lipoproteínas e, dependendo basicamente das características genéticas (70% é produzido pelo organismo), se acumula ou não nas paredes dos vasos.
Necessidade de medicamentos
O estilo de vida (sedentário ou não) e a alimentação (baseada em gorduras ou alimentos como fibras e carnes leves) influenciam na produção dos outros 30%. E quando a prevenção, segundo Gurfinkel e Feitosa Filho, não der certo, há a necessidade da ingestão de medicamentos que controlem o nível de colesterol. Exames de sangue periódicos com a necessidade de 12h de jejum, feitos anualmente ou até de cinco em cinco anos, de acordo com o histórico, também são fundamentais.
Gurfinkel ressalta:
— A partir do momento em que se identifica a presença do fator de risco (colesterol alto, herança genética) a pessoa não vai esperar que aconteça algo pior. É iniciar uma dieta e, se for o caso, tomar medicamentos. Há pessoas hoje que tomam medicamentos para isso com 25, 20 anos. Se fizermos um estudo das artérias delas, elas estão limpas, não há nada, mas são fatores de risco importantes. Então o remédio é necessário nesses casos, ainda mais dependendo dos antecedentes.
E Feitosa Filho completa:
— Um indivíduo bem magro pode estar com colesterol (ruim) alto, não é incomum. A prevenção deve ser prioritária em relação a outros itens, tratamento medicamentoso inclusive. Quando não se consegue atingir metas a partir das medidas não medicamentosas, se opta pela utilização dos medicamentos. As metas são diferentes para cada paciente, dependendo do histórico de doenças e da condução clinica.
Os fármacos acabam por interferir na produção inadequada de colesterol pelo organismo. Caso alguns medicamentos, como as estatinas, não surtam o efeito, a medicina tem descoberto outros com eficiência de até 70%, como a alirocumabe, desenvolvido pela Sanofi, capazes de inibir a proteína que impede a ação de receptores de LDL no fígado. Essa proteína, se estiver atuante, facilita que o colesterol chegue ao coração. Se tal controle não acontecer, Gurfinkel adianta:
— Dependendo de como estiver a lesão (obstrução) a tendência é que ela seja irreversível e progressiva e se não tratada pode ser fatal. Não se desfaz de maneira natural, apenas com iniciativas como angioplastia ou colocação de stents (tubo para viabilizar o fluxo).
Segundo a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) cerca de 350 mil mortes são registradas por ano no Brasil, causadas por doenças cardiovasculares (infarto, insuficiência cardíaca e derrame). No mundo, são 17,5 milhões de mortes anuais, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). O câncer é responsável por cerca de 190 mil mortes por ano no Brasil, segundo informações do Inca (Intituto Nacional do Câncer).
Na pesquisa do Harris Poll, a maioria dos 12.142 entrevistados, em 11 países do primeiro mundo, não sabe tal informação. E por uma verdadeira obstrução das cavernas de nossa mente, ficam imperceptíveis as obstruções das cavernas de nossos vasos internos. Nosso coração ávido de desejos, ou nosso cérebro em ebulição, pulsa, muitas vezes, enganado por sonhos obstruídos. E se nenhuma fórmula de convencimento der certo, a solução mais simples é apelar para a inicial da sigla LDL, do mau colesterol. Lembre-se: “L”, de letal.