Relatório divulgado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) nesta quarta-feira (14) alerta para as consequências da guerra urbana moderna em três países do Oriente Médio. Entre 2010 e 2015, os conflitos no Iraque, Síria e Iêmen já representavam quase metade (47%) de todas as vítimas de guerra no mundo inteiro, tendo as cidades como seus principais campos de batalha, segundo dados da Secretaria da Declaração de Genebra. As ações dessas guerras contra civis contrariam tratados internacionais sacramentados principalmente após a 2ª Guerra Mundial.
Dados e estimativas do início de abril de 2017 do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados indicam que 17,7 milhões de pessoas estão atualmente deslocadas dentro ou fora do Iraque, Síria e Iêmen em razão do conflito armado nesses países.
“Chegamos a um novo ponto de inflexão na história da guerra […] os principais campos de batalha do futuro não serão em terrenos abertos. Serão nas cidades”, afirma o historiador militar Antony Beevor na abertura do relatório.
As guerras nesses locais estão sendo travadas em ambientes urbanos e trazem como resultado o agravamento das consequências do conflito armado para a população civil. Segundo o relatório, um dos principais motivos é a falta generalizada de respeito pelo Direito Internacional Humanitário (DIH) nesse tipo de conflito.
Civis no alvo
O DIH é um conjunto de normas que protege as pessoas que não participam ou que deixaram de participar das hostilidades e limita os meios e métodos de guerra.
Entre suas determinações, obriga as partes a distinguirem, em todas as circunstâncias, entre os objetivos militares e os civis e bens civis. Proíbe as armas químicas e os ataques contra os civis e hospitais.
“Os civis e edifícios civis como hospitais e escolas estão sendo alvejados. Pessoas comuns estão encurraladas em cercos. Não estão sendo tomadas precauções constantes para proteger a população civil”, diz o texto.
O documento se baseou em relatos de sobreviventes e a situação de grandes cidades palco de conflitos nesses países em relação à situação dos civis e das condições para a prestação de ajuda humanitária a essa população.
Aleppo, uma das maiores cidades da Síria, com uma população de 2,1 milhões de pessoas, sofreu em 2015 e 2016 ataques contra hospitais e estabelecimentos de saúde onde morreram médicos e pacientes, “impedindo que a assistência à saúde necessária com urgência chegasse a milhares de pessoas”, aponta o relatório.
Esses ataques resultaram na Resolução 2286, de 3 de maio de 2016, baixada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas que faz um apelo a todas as partes beligerantes para protegerem os profissionais e estabelecimentos de saúde e condena os atos de violência e ameaças contra os doentes e feridos, profissionais de saúde e humanitários.
Taiz, cidade do Iêmen com mais de meio milhão de habitantes, ficou sitiada durante 15 meses e, apesar da fuga de centenas de milhares de pessoas, 200 mil permaneceram no local durante esse período. Mais de 160 estabelecimentos de saúde foram atacados desde 2015 e centenas obrigados a fechar por falta de combustível e material. Atualmente 45% dos estabelecimentos de saúde estão em funcionamento no local.
“A pouca quantidade de medicamentos e material médico que entra no Iêmen ? menos de 30% do que é necessário ? e o pagamento irregular dos profissionais de saúde e prestadores de serviços básicos agravam esse quadro”, aponta o documento.
A cidade de Mossul no Iraque, com população de 1,5 milhão de moradores, é apresentada no estudo como exemplo das novas tendências de guerra urbana e desafios para proteção dos civis e da infraestrutura nesse contexto, onde “ao mesmo tempo que a batalha é travada pelos combatentes no chão e dentro da cidade, com o apoio e ataques aéreos da coalizão iraquiana, as novas tecnologias fazem a sua aparição, como as granadas lançadas por drones”.
Situação crítica em Mossul
Segundo o estudo, no início de abril mais de 300 mil moradores continuavam deslocados de Mossul e arredores e os profissionais humanitários enfrentam dificuldades para conseguir acesso seguro à área para distribuir comida, água, assistência à saúde e outros serviços básicos vitais.
Com base nos relatos dos sobreviventes, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) faz recomendações com a finalidade de limitar o impacto das guerras urbanas no Oriente Médio para “reduzir o sofrimento que elas provocam e lidar com as necessidades urgentes da população”.
No relatório, o CICV conclama que as partes em conflito respeitem o DIH em todas as circunstâncias. Apela, ainda, para que as partes beligerantes parem de encurralar os civis em cercos, devendo assegurar o acesso rápido, contínuo e desimpedido da ajuda humanitária a todas as comunidades urbanas necessitadas e que a população possa sair dessas áreas em segurança.
O comitê pede, ainda, que as partes em conflito evitem o uso de armas explosivas com amplo impacto em áreas densamente povoadas. Além de causar mortes e destruição dentro da zona de impacto imediato, essas armas possuem efeitos de longo prazo na infraestrutura civil e serviços que são extremamente perigosos para a saúde e sobrevivência da população. As autoridades e a comunidade internacional devem proteger os refugiados desses conflitos, disse o comitê.