sábado, 28 de dezembro de 2024

Pesquisa mostra que casos confirmados são 35% dos sintomáticos

Um modelo matemático desenvolvido por pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e da Universidade de Bordeaux (França) aponta que os casos confirmados de covid-19 no país são cerca de 35% dos indivíduos que tiveram infecções sintomáticas pelo coronavírus. O percentual representa uma melhora em relação a meados de abril, quando a testagem alcançava apenas 15% dos casos sintomáticos.

O Brasil passou de 180 mil casos confirmados, segundo balanço do Ministério da Saúde, que reúne os dados das secretarias estaduais de saúde. Com dimensões continentais e estados em diferentes estágios da pandemia, a situação nacional é uma média da que se desenrola regionalmente, explica o professor titular da Coppe/UFRJ e consultor técnico da Marinha do Brasil Renato Cotta. “O Brasil é um continente, como a Europa, e tem situações muito distintas em cada região”, afirma. São Paulo e Rio de Janeiro já estão atravessando o pico dos casos reportados, estima Cotta, e outros estados, como a Paraíba, ainda vão passar por ele.

Fase aguda + testes

O professor assina o estudo com a pesquisadora brasileira Carolina Naveira-Cotta, também da Coppe/UFRJ, e com o epidemiologista francês Pierre Magal, especialista na simulação de pandemias. Renato Cotta conta que a subida mais acentuada da curva de casos confirmados no mês de maio é resultado da combinação da fase mais aguda da epidemia com o aumento da realização de testes, que, ao elevarem o número oficial de casos reportados, ajudam a retirar indivíduos infectados da cadeia de contágio.

“A testagem é importante porque você tira de circulação alguém que pode infectar mais indivíduos suscetíveis. Se você testa e isola, é um indivíduo infectado a menos na cadeia de contágio”, disse ele, que, apesar disso, reconhece: “mesmo que se teste muito, é sempre uma fração, e não estamos testando os infectados assintomáticos da rede de contatos dos indivíduos positivados”.

Isolamento social

Além do aumento do número de testes, um relaxamento progressivo do isolamento social aproximadamente a partir da Semana Santa, na segunda semana de abril, foi percebido no modelo matemático, que precisou ser reajustado no final de abril. Apesar de não ter havido medidas oficiais nesse sentido na época, o pesquisador conta que dados como o Google Mobility Report, que verifica o movimento de celulares nas ruas, mostram o aumento gradual da circulação de pessoas.

“Nas últimas semanas houve uma redução não planejada da quarentena em termos médios no país, e os dados retrataram isso. O modelo então foi adequado e, a partir do final de abril e início de maio, já se percebe nos resultados simulados que o modelo responde adequadamente ao aumento da mobilidade e o aumento da testagem”.

Número de casos

Os resultados recentes aproximaram a curva brasileira de um dos cinco cenários publicados pelos pesquisadores em artigo no site MedXriv. Uma versão atualizada da pesquisa também deve sair ainda este mês na revista científica Biology. O cenário avaliado por Cotta como o mais próximo da realidade considera um isolamento social não tão severo e uma testagem mais ampla. Se mantidas as mesmas condições ao longo de toda a evolução, a projeção aponta que o número de casos confirmados pode chegar a um valor estabilizado de cerca de 275 mil casos no dia 150 da epidemia, na segunda quinzena de julho, considerando 24 de fevereiro como o dia um.

Tais projeções, explica Cotta, estão sujeitas aos impactos de novas medidas adotadas pelas três esferas de governo e ao comportamento da população. “O que posso lhe dizer é que a dosagem da redução de isolamento e da testagem e a data/época da sua aplicação são cruciais para o planejamento do retorno às atividades em geral”. Ele exemplifica que o relaxamento da quarentena em 50% após 1º de junho pode gerar, logo em seguida, um segundo pico de casos reportados ainda maior do que o vivido neste mês de maio, trajetória que provavelmente seria interrompida por novas restrições à circulação, que viriam em resposta a esse possível cenário, acredita o professor da Coppe.

Já um relaxamento da quarentena em 30% com aumento da testagem reduziria esse segundo pico a um patamar menos acentuado que o pico de maio, situação que poderia ser atendida com a estrutura já mobilizada para tratar pacientes da pandemia. “O importante é realizar essas análises regionalmente, para melhor retratar o comportamento da epidemia nas regiões específicas, e simular diferentes datas e percentuais para a redução da quarentena, o que pode auxiliar os gestores municipais e estaduais na tomada de decisões”.

OMS

A testagem vem sendo considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como fundamental para a retomada segura das atividades econômicas mundo afora. Em entrevista coletiva de imprensa realizada na última segunda-feira, o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom, descreveu que muitos países iniciaram o relaxamento das medidas restritivas na última semana.

A OMS considera que é preciso responder a três perguntas antes de decidir se o isolamento social deve ser relaxado: a epidemia está sob controle? O sistema de saúde está pronto para lidar com uma nova alta de casos após o relaxamento? O sistema público de vigilância em saúde está preparado para detectar e monitorar os casos e seus contatos e identificar um ressurgimento dos casos?

“Essas três questões podem ajudar a determinar se um lockdown pode ser vagarosamente relaxado ou não”, disse Tedros Adhanom, que afirmou que, mesmo com três respostas positivas, a tarefa de reabrir a economia é complexa.

O professor da Coppe relembra o exemplo sul-coreano, em que o sistema de vigilância realizou testes em massa já desde o início da epidemia, o que permitiu que até casos assintomáticos fossem identificados a partir da testagem de quem teve contato com casos sintomáticos. Com isso, a Coreia do Sul, país de mais de 50 milhões de habitantes, conseguiu frear a epidemia em 10 mil casos e cerca de 150 óbitos.

“A volta tem que ser vigiada, sempre vigiada. Enquanto a gente não tiver a vacina, essa é a forma de lidar com a epidemia”, pontuou o professor.

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