Se você é assíduo na internet ou é telespectador do Big Brother Brasil, com certeza já deve ter ouvido falar recentemente sobre o cancelamento. O termo, muito utilizado nas redes sociais, começou há muitos anos como uma forma de chamar a atenção para causas como justiça social e preservação ambiental. Uma verdadeira forma de amplificação da voz e de forçar ações políticas de marcas ou figuras públicas.
Funciona da seguinte forma: Um usuário de mídias sociais, tais como Twiiter, Facebook, Instagram, presencia ou visualiza, mesmo online, algo que considera errado, registra em vídeo, foto, ou salva o que foi publicado e posta em sua conta, marcando a empresa empregadora do denunciado e autoridades públicas ou outros influenciadores digitais que possam amplificar o alcance da mensagem. Em alguns minutos a postagem se espalha e, como em muitos casos, viraliza, multiplicando sua visualização.
O cancelamento é diferente da trollagem típica de internet, eventualmente com insultos coordenados, frequente em disputas de opinião entre usuários das redes. O “cancelamento” é um ataque à reputação que ameaça o emprego e os meios de subsistência atuais e futuros do cancelado.
Segundo o psicólogo clínico e hospitalar e também especialista em comportamento suicida e Tanatologia, Victor Santos, o cancelamento é um ato de exclusão que iniciou muito antes da existência das redes sociais.
“O cancelamento é um ato de exclusão. Antes mesmo de existir redes sociais, por exemplo, já acontecia nos grupos de escola, faculdade, amigos ou familiares, onde se alguém apresentasse um comportamento que fosse considerado inapropriado, logo era excluído. Hoje esse cancelamento acontece de forma mais exposta, em decorrência da tecnologia.” afirma.
O psicólogo alerta ainda para a dificuldade que as pessoas tem de lidar com os erros, principalmente nas redes sociais, onde tudo parece ser perfeito e quando ocorre o menor sinal de erro ou imperfeição, a pessoa á anulada.
“A rede social é um mundo de filtros, de exagero da perfeição e isso é buscado por uma necessidade de confirmação. Muitas vezes misturamos tudo dentro desse universo, pois é difícil fazer uma separação emocional.” ressalta Victor.
Como surgiu a ‘cultura do cancelamento’ e quais as consequências?
Esse fenômeno das redes sociais não é exatamente recente. Ser cancelado se tornou o medo do século. E não é para menos. Sobram exemplos de carreiras destruídas e empresas que viram seus lucros caírem a quase zero por posicionamentos que hoje em dia não são mais aceitos.
A cultura já era conhecida nos Estados Unidos e hoje vai muito além das personalidades, alcança pessoas anônimas também. No Brasil, frequentemente, tem como alvo as pessoas famosas. Dois exemplos recentes de cancelamento foram o da blogueira Gabriela Pugliesi. Depois de postar imagens de uma festa que deu em sua casa, em abril, em meio a uma quarentena por conta da epidemia de Coronavírus, uma multidão online passou a cobrar as marcas que a patrocinavam para que rescindissem os contratos de publicidade com ela. Pugliesi perdeu pelo menos cinco contratos e seu prejuízo teria superado os R$ 2 milhões.
Nos últimos dias também conhecemos o caso da Karol Conká, a artista foi acusada de impor, por diversas vezes, pressão psicológica sobre alguns participantes do programa. O público, por sua vez, se uniu com o objetivo de tirar a curitibana do reality. Enquanto a ‘mamacita’ cancelava participantes dentro da casa, aqui fora sua carreira se dissolvia. Seu ‘cancelamento’, contudo, ultrapassou o limite profissional, e prejuízo não ficou apenas nos números e cifras. Foram criadas diversas páginas de ódio a Karol, muitas repletas de ofensas racistas. A família da cantora, em especial seu filho menor de idade, sofreu ameaças de morte.
“É necessário ter uma pouco mais de tranquilidade e sabedoria para entender com mais profundidade as coisas, pois vivemos em uma era muito superficial. Se não tomamos cuidado com quem está sendo cancelado ou com nós mesmos que podemos estar no papel do cancelador, podemos estar correndo riscos de saúde mental, como ansiedade, depressão, isolamento, perda de significado existência ou até um comportamento suicida.” afirma o psicólogo.