quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Carta a Maquiavel e Montesquieu

Ilustres senhores. Tenho duas notícias para lhes dar: uma boa e uma ruim. Como em carta não posso esperar pela opção da ordem em que as querem receber, vou começar pela ruim: acreditei em vocês, desde os bancos escolares, passando pelos cursos de graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, este último em sua terra, Nicolau. Citei-os em minha dissertação de mestrado e em inúmeros artigos e ensaios.

Agora a notícia boa: descobri, finalmente, que as teorias de vocês não passavam de obra de ficção, senão um engodo muito bem elaborado. Talvez nem tanto, se lido com atenção, com o leitor ciente do fato de que os protagonistas são seres humanos. Outra opção seria reconhecer tratar-se de psicografia de desencarnados de outros planetas, onde as ideias propostas e projetadas sejam viáveis. Na Terra, não dá. Nem deu, nunca, como recentemente confirmou o mais novo dono da verdade, Yuval Noah Harari, em sua obra “Sapiens – Uma breve história da humanidade” (26 ed. Porto Alegre, L&PM, 2017).

Deixei-me seduzir pelo idealismo do discurso de vocês, defendido com entusiasmo por meus professores, e acreditei que o Estado fosse realmente uma ideia inteligente. Até foi, mas não voltada para organizar a sociedade e propiciar serviços para atender a todos. Acreditei também, meu caro Charles-Louis, na divisão do Estado em três poderes – um para legislar, outro para administrar e um terceiro para dirimir conflitos.

Eu deveria ter percebido bem aí, exatamente nesse terceiro poder. Já previa conflitos. Você imaginou um poder cujos protagonistas estariam acima dos outros. Como também aí os personagens seriam humanos, era natural que a esperteza inventasse uma forma de minar esse poder, com uma casta privilegiada, que estivesse livre da burocracia de concursos e requisitos morais.

As ideias de vocês eram boas, mas para um lugar onde as pessoas tivessem educação, elevado nível de conscientização moral, compatíveis com a convivência saudável, a fraternidade. Mas não poderia dar certo onde a população estivesse contaminada pelos vermes da corrupção, porque eles se multiplicariam e dominariam tudo e o Estado, com seus poderes assim dominados, só a eles serviria.

Alan Grespan, ex-presidente do Banco Mundial, em entrevista publicada na Folha de São Paulo, já dissera nos anos 90 que isso acabaria em revolta, porque os corruptos são insaciáveis e a população é quem sofre cada vez mais as consequências dos desvios das verbas públicas que deveriam ser usadas em benefício da coletividade.

O mais triste e desalentador, caro barão de La Brède e de Montesquieu, é constatar que no topo de sua invenção, onde já pontificaram homens honrados, para lá foram o que há de pior na espécie humana, escolhidos a dedo e comprometidos com os crimes de quem os indicou. Corruptos ambiciosos, afrontam a população praticando indignidades, exibindo sua empáfia audaciosa em esvoaçantes asas negras, que a mim só lembram o morcego que atormentava a noite do poeta Augusto dos Anjos, ao ponto de fazê-lo exclamar:

– Que ventre produziu tão feio parto?!

*Advogado. Pós-doutorado em Messina (IT). carlos.nina@yahoo.com.br

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