“Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavoneia e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de som e fúria, que não significa nada.” (Macbeth William Shakespeare, 1603-1607)
No primeiro turno, meu local de votação estava lotadíssimo. Prevenido, fui de máscara, era um dos poucos. Fui mais ou menos umas nove horas da manhã. Saí de lá as 12:30; e na sessão eram menos de 30 pessoas à minha frente. Calculei, e hoje fui meio dia. Fui a pé, uma caminhada de cerca de doze minutos de minha residência ao local de votação.
Saindo do condomínio, mais a frente, procurei minha vizinha Eliane, na varanda do prédio ao lado para mandar um L pra ela. Alguém freou um carro e me chamou:
– Geraldo, cadê teu adesivo? Tu não pode votar sem adesivo – Era o José Saboia, filho de Haroldo, colega de escola de meu filho Arthur. Me deus dois adesivos. E segui minha jornada.
Na porta do local de votação, um prédio imenso, com muitas sessões, já fui colocando minha máscara, desviando das pessoas (estou cada dia mais parecido com o Melvin Udal!) e respirando fundo pra me preparar pra sofrer. Cheguei à sessão, e não tinha ninguém além dos mesários. Até a sessão ao lado que é gigante, tinha uma meia dúzia de gatos pingados.
A mesária tentava ler a inscrição de minha camiseta puída. Estufei o peito pra ela concluir a leitura.
Todas as cores
e outras mais
procriam flores
astrais
Ela disse: “gostei!”. Eu perguntei: conhece? Ela sorriu e disse que não. Respondi: “É a melhor banda brasileira de todos os tempos. O vocalista era o Ney Matrogrosso, e o gênio que escreveu isso se chama João Ricardo. Dá um google hoje a noite”.
Votei pra casa rápido, com aquela certeza de Cioran, quando diz: “se eu acreditasse em Deus, andaria nu pelas avenidas”. Saí quase correndo, me desviando de tanta camisa da seleção brasileira, quase pisando em linhas, mas evitando… e “não fosse isso e era menos/ fosse tanto e era quase”, salve Leminski, mãe de misericórdia…
Na volta o sol ainda mais causticante sorria pra mim. Retirei a máscara (quase desnecessária na hora de votar) defronte de um grupo de recruta zero e seus 5.56. ia andando cada vez mais castigado e apressado. Sol a pino, esqueci o protetor solar, voltei um pimentão.
Atravessei o Tropical sentindo o cheiro de banho de eleitores mais cuidadosos que eu e cacei a sombra do poste pra esperar o sinal da avenida abrir pra mim. Mas até o trânsito nem lembrava aquele do primeiro turno, que fui de carro e quase não consegui voltar pra casa por conta dos motoristas fazerem fila tripla em frente o Colégio Dom Bosco. E como não vinha carro, encarei a travessia correndo, do outro lado quase fui atropelado por um motoqueiro entregador que circulava pela passagem dos cadeirantes.
Em casa, a farinha de quibe já no ponto de espremer. Tomei um copo d’água, um banho e parti pra concluir meu quibe.
E amanhã, e amanhã e amanhã… Eu, aquele ator, um pobre palhaço, que cospe suas falas no palco, sozinho, para sempre sem som e sem fúria…
Nossa William,, o que será de nós amanhã?