sábado, 20 de abril de 2024

De volta ao quinto constitucional

Mariléa Campos dos Santos Costa é Procuradora de Justiça

Há pouco mais de dez anos (12/03/2009) escrevi sobre o Quinto Constitucional, inspirada na vaga deixada pelo eminente jurista Milson Coutinho, que se aposentara, então, como Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão. Milson fora escolhido pelo Governador, dentre os nomes da lista tríplice encaminhada pelo TJMA, que, por sua vez, a compôs da lista sêxtupla enviada pela OAB-MA. Esse é o procedimento para o Quinto Constitucional, formado tanto por advogados quanto por membros do Ministério Público.

O Quinto Constitucional no ordenamento jurídico brasileiro surgiu na Carta Magna de 1934, restrito, então, aos tribunais superiores, como eram chamadas as cortes estaduais. O artigo 104 daquela Constituição, no Título II, que tratava “Da Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, previa, em seu § 6º, que, “Na composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º.” Esse parágrafo previa a votação da lista tríplice em escrutínio secreto.

A Constituição de 1937 manteve o Quinto Constitucional (art. 105). Em 1946 o Constituinte da Carta desse ano manteve a reserva constitucional, mas fez significativas alterações no texto. Onde se lia “advogados, ou membros do Ministério Público”, a redação passou a ser “advogados e membros do Ministério Público”; foi acrescentado o requisito de “dez anos, pelo menos, de prática forense”, e, ao final do dispositivo, ficou expresso: “Escolhido um membro do Ministério Público, a vaga seguinte será preenchida por advogado” (artigo 124, V). Essa redação foi alterada em 1965, pela Emenda Constitucional número 16, que acrescentou, quanto aos advogados, a condição de estar “em efetivo exercício da profissão”. A Constituição de 1967 alterou o requisito da “reputação ilibada” para “idoneidade moral” (Art. 144, IV). A Emenda Constitucional número 1, de 1969, manteve a expressão (Art. 144, IV).

Finalmente, em 1988, o Constituinte aclarou a indicação para Quinto Constitucional, atribuindo aos respectivos órgãos de representação a elaboração de lista sêxtupla (art.94), substituindo o “notório reconhecimento” por “notório saber jurídico”.

A permanência do Quinto Constitucional em todas as constituições da República são a confirmação de sua importância, em consonância com o objetivo de “injetar nos Tribunais o fruto da experiência haurida em situações outras que a do Juiz”, no dizer do constitucionalista Ferreira Filho (1993). Essa continuidade, com o aperfeiçoamento trazido com os acréscimos quanto aos requisitos e, por último, a definição da origem das escolhas, pelas próprias categorias, reflete os efeitos positivos da pluralidade que as experiências vividas por profissionais não oriundos da Magistratura de carreira levam para os tribunais.
E nisso a Constituição de 1988 foi mais além. Estendeu sua aplicação para os demais tribunais.

As exceções ficaram por conta do Supremo Tribunal Federal, cujos ministros são “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada” (art. 101), “nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal” (Parágrafo único do art. 101), e do Superior Tribunal de Justiça, que também observa a regra quanto aos requisitos, nomeação e aprovação pelo Senado Federal, mas cuja composição atende a três origens: I – um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal; II – um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94”, conforme prevê o art. 104, já com a redação dada pela Emenda Constitucional número 122, de 2022.

O Quinto Constitucional continua gerando polêmicas entre os que o defendem e os que o combatem. Entretanto, já se encontra incorporado ao ordenamento jurídico pátrio há 88 anos e, como prova a última Carta Magna, sua avaliação foi tão positiva que o Constituinte decidiu ampliá-lo.

O Quinto Constitucional não é privilégio do Brasil, pois é uma experiência exitosa também em outros países, ainda que com outros formatos, como o caso de Portugal, onde a formação do Quinto tem origem no Ministério Público e na categoria de Juristas. Na Itália, sua Corte de Cassação também é integrada por membros oriundos da advocacia e da docência. Na Espanha, o Quinto foi elevado para um terço. Assim, o número de magistrados, de primeiro e segundo graus, são selecionados entre os juristas com 10 anos de atividade jurídica.

Em meu artigo anterior sobre o tema (12/03/2009), citei pronunciamento do Ministro Ricardo Lewandowski, do STF, no plenário do Conselho Federal da OAB (31 de agosto de 2006). Ali o Ministro defendeu a manutenção do Quinto Constitucional como mecanismo de “oxigenação da Justiça”. E acrescentou que “essa participação imprime a visão do mundo do advogado e do Promotor para enriquecer a atividade jurisdicional e é um fator inibidor do corporativismo na Magistratura”.

O advogado Carlos Nina, que foi membro do Ministério Público e Juiz estadual, com experiência, portanto, nas três funções que atuam na administração da Justiça, citado por mim em 2009, continua afirmando que não analisou o tema para tomar uma decisão pró ou contra. Mas via o Quinto Constitucional como um instituto positivo para ampliação da visão coletiva das cortes de Justiça. Para Carlos Nina, “A polêmica que o tema tem causado é menos pela importância do instituto e mais pelas deficiências que sua utilização apresenta, no processo de escolha e na falta de clareza com relação a alguns pontos que visam tanto à eficiência quanto a eficácia de sua função”.

Em seus textos e pronunciamentos mais recentes, Nina tem reafirmado que não analisou ainda o tema para definir uma posição. Entretanto, não concorda com a tese do que ele chama de “suposta oxigenação do Judiciário”, porque, para ele, “essa oxigenação pode vir, também, com magistrados que entram pela via do concurso, enquanto, não raro, os indicados pela via do Quinto, do terço no STJ ou da nomeação direta para o Supremo podem não representar oxigenação.

A crítica de Nina é preocupação com a composição do Poder Judiciário. Entendo, também, que a discussão sobre a existência do Quinto é irrelevante. O que deve ser objeto de atenção é o cumprimento dessa reserva constitucional. Tanto pela Ordem dos Advogados quanto pelo Ministério Público. Isso remete aos próprios interessados nesse ingresso. Devem ter, no âmbito de suas respectivas categorias, um histórico de atuação que o subsuma à exigência do requisito, não só temporal, mas, acima de tudo, quanto à idoneidade moral.

Num segundo momento, essa deve ser a preocupação de quem vai fazer as escolhas, atentando para que sejam feitas de modo a imaginar se os escolhidos – e inicialmente serão sempre seis, na OAB ou no MP – pelas condutas que têm tido em sua vida profissional – e até familiar – serão os magistrados que a sociedade espera contar para fazer justiça.

A Corte estadual do Maranhão está pendente da indicação de dois membros do Quinto Constitucional por parte do Ministério Público do Estado e da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Maranhão.
Serão escolhidas pessoas para julgar os conflitos da sociedade, no âmbito do segundo grau. Essas indicações, portanto, interessam à sociedade maranhense, a todos os jurisdicionados, que, indubitavelmente, esperam que as escolhas sejam feitas dentro da legalidade e que as respectivas instituições façam suas indicações com vistas ao ideal da verdadeira justiça.

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