A segurança jurídica é fundamental para o estado democrático de Direito. Qualquer convivência social minimamente organizada pressupõe a existência de regras que devem prevalecer sobre quem integra determinado agrupamento social. Do contrário, prevalece, obviamente, a insegurança, ou seja, a pessoa que vive onde não há normas a todos impostas está em permanente insegurança. Sempre sujeita a ato arbitrário de quem detiver o poder sobre aquele universo.
Essa não é uma hipótese, mas uma realidade que permeia a história do ser humano, desde sua origem e, com certeza, estender-se-á até o fim da humanidade. Basta conhecer a História, em qualquer período ou lugar. Encontrará lá a ambição alimentando a violência, as guerras, as atrocidades inimagináveis e os discursos falaciosos dos poderosos para dominar os mais fracos, manter e ampliar seus poderes.
As guerras de conquistas de territórios caracterizavam-se pela dizimação dos povos originários ou daqueles que antes já os haviam dizimado ou dominado. Nas próprias nações, sob bandeira religiosa ou ideológica – que apenas disfarçam a avidez dos ambiciosos – não é diferente. O grito de guerra é para derrotar, para aniquilar, para que os dominadores possam usufruir impunemente do que quiserem.
A criatividade de filósofos prestou-se à criação de estratégias inteligentes para evitar a violência, elaborando-se ordenamentos com promessas de suposta harmonia para que as pessoas pudessem viver em tranquilidade, acreditando que todos respeitariam ao mesmo regramento, sob pena de, violando-o, serem reprimidos ou punidos de acordo com as normas previamente estabelecidas e a todos impostas.
O que se testemunha atualmente não é, de certo, necessariamente uma novidade. A inovação está no fato de que quem exerce o poder já não se preocupa mais em atribuir legalidade ou boas intenções a seus atos. Na verdade, não há mais nenhum pudor sequer com as palavras. Até porque seria inútil disfarçar aquilo que os atos revelam de completa afronta ao que deveria ser respeitado em nome da segurança jurídica.
Já não se fala mais em hipocrisia. É como se o espírito do rei Luís XIV tivesse reencarnado, disseminando sua proclamação – L’État c’est moi -, exacerbada pelo abuso, ilegalidade, falta de decência, total ausência de respeito pela segurança jurídica em todos os níveis institucionais.
Quando não há segurança jurídica, é esperar demais que haja segurança pessoal. Não há. Nem para quem aplaude atos atentatórios à segurança jurídica, pois, sob tal regime, prevalece a maldade, sem limites. A ignorância ou a bajulação não têm efeitos imunizantes.
*Carlos Nina é advogado e jornalista.