quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

OPINIÃO: Quantos suicídios pra mudar o rumo

Quando Goethe lançou a novela Os sofrimentos do jovem Werther, em 1774 houve, nos anos subsequentes, uma onda de suicídios. Na novela, o personagem sofre por amor, até chegar ao ponto de se matar. A onda de suicídios foi tão grave que as edições seguintes do livro traziam um prefácio do autor alertando os leitores, através da frase de Werther “Seja homem e não me siga”.

 Não é preciso mais colocar o paletó azul e o colete amarelo para meter uma bala na cabeça, como fez Werther. Não há mais “romantismo” na vida e não há mais espaço para um devir individual, daí a onda de depressão e tristeza, que o sentimento contraditório de um pertencimento coletivo e nulo se encadeia na sociedade mundial.

A aldeia global de Marshal McLuhan e seu desdobramento www, a teia, é uma teia de aranha: uma armadilha. Assim como tudo na vida, desde a picanha até o ecstasy, da barriga de tanquinho ao iphone 7, do apartamento na península ao range rover. Como não ser Werther em 2016?

Falta-nos poesia!

É ela que salva homens e mulheres da extinção.

Por que uma menina linda, talentosa, coberta de carinho e com um mundo aberto á frente se mata? Por que ninguém liga, senão uma dúzia de familiares e amigos. Para todo o resto é fofoca, equívoco e curiosidade, como escreveu a jornalista Thaís Matos.

Como fica o coração dessa mãe? Despedaçado e jamais será o mesmo. E terá, em sua sala, sobre um busto de Atena, um corvo de Poe a lhe repetir eternamente: “nunca mais”. Enquanto isso, por horas ou dias outros corvos, abutres e hienas estarão no espaço torpe do www a mostrar as vísceras tristes do que foi um ser amado para alguém. Alguns com justificavas de políticas públicas. Alguns com seu ar de necrófilo e outros tantos sem noção, zumbis da www.

E o que é a morte? O sétimo selo? O terror de Harry Potter? A vida eterna? O encontro com
Deus? O vazio? O nada?

Temos milênios de filosofia, de ciência, de dor, de poesia e a única certeza que temos é que vamos todos morrer. Tolos e tristes os highlanders…

O poeta russo Serguei Iessiênin foi uma das vítimas da violenta ditadura na URSS. Não aguentou e pôs cabo à própria vida, num dia frio de 1925, em São Petersburgo. Escreveu para seu amigo Maiakovski:

 

Até logo, até logo, companheiro,
eu te guardo no meu peito e te asseguro
que nosso afastamento passageiro

é sinal de um encontro no futuro.

 

Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sombrolho pensativo.
Se morrer, nessa vida, não é novo,
tampouco há novidade em estar vivo.

 

Triste e tentando entender os motivos do amigo, Maiakovski, outra vítima da ditadura russa, escreveu:

Que o tempo

                                               cuspa balas

                                                                    para trás,

e o vento

                no passado

                                    só desfaça

um maço de cabelos.

Para júbilo

                   o planeta está imaturo.

É preciso

                arrancar alegria

                                               ao futuro.

Nesta vida

                  morrer não é difícil.

O difícil

                é a vida e seu ofício

E num dia frio de 1930, em Moscou, estourou o peito uma espingarda calibre 12. E hoje, quem ainda tem coração que o guarde bem guardado, para que possa se resguardar de ser cruel ou para ofertar a uma mãe que sofre, que perdeu a filha e terá em sua mesa, eternamente, um corvo gritando “nunca mais”.

(traduções de Augusto de Campos)

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