Estes dias, temos visto uma discussão absurda que envolve recém nascidos doentes e mães espalhados pelo chão de hospitais lotados. E sobre eles, a despeito de sua consciência e sua dor, a luta vã de defensores de candidatos na tentativa de explicar o inexplicável, justificar o injustificável.
Chega um tempo que não se mais: meu Deus.
Assim começa o poema “os ombros suportam o mundo”, de Carlos Drummond de Andrade. E termina dizendo
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Se pegarmos o primeiro parágrafo que conta a história de uma mãe dormindo com seu bebê doente no chão de um hospital, e cercada por bebês amontoados sobre macas, é uma cena da guerra capital travada entre a realidade e as possibilidades. O segundo parágrafo, com os versos de Drummond revela a capacidade humana de estar e suportar um mundo real do qual não se foge.
E o que há de realidade e verdade nesse mundo de realidades que espalham recém nascidos por lugares indevidos enquanto o dia passa, alguns morrem e outros nascem e a vida segue seu caminho a terçados e tropeções?
Ou podemos lembrar-nos de Pierre Bordieu, que analisou as verdades e realidades culturais e disse que “Se há uma verdade é que a verdade está em jogo nas lutas”. Afinal os bebês estão lá! A mãe está no chão e os idosos fazem fila na madrugada.
Talvez possamos usar termos mais duros e dizer que as campanhas políticas viraram um antro de desumanidades. Quando um médico vem justificar que o chão é “a escolha de uma mãe que temia que seu bebê caísse de uma maca estreita”, talvez possamos, mais a frente, justificar a fome e os genocídios.
As palavras nunca repetem os sentimentos reais. A única possibilidade das palavras é representar. E as representações não são as coisas. Mas querer fazer crer que uma mãe e uma criança no chão de um hospital é uma representação é demais.
Havia uma mãe e um bebê “acomodados” no chão de um hospital e isso está errado, não é “uma verdade em jogo nas lutas”. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem e não tem que suportar tudo que lhe é impingido.
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