Quem tem ideia da estrutura da Constituição sabe que nela os poderes da União, Legislativo, Executivo e Judiciário, estão dispostos exatamente nessa ordem.
Não se trata de uma sequência aleatória, mas lógica, desde Montesquieu. A ideia era a de que o Legislativo fosse encarregado de elaborar a legislação, ciente de que “o poder emana do povo” (Parágrafo primeiro do art. 1º da CF).
Ou seja, o Legislativo deveria legislar de acordo com o interesse do povo. Já se sabe que não é bem assim. Mas não é disso que se trata este texto.
O Executivo é o Poder que executa as atividades de governo, mas está sujeito ao que aprova o Legislativo. Daí que quando a nação tem um Parlamento dominado por representantes de seus próprios interesses e dos grupos políticos, econômicos e organizações criminosas a que pertencem, chantageiam o Executivo e este fica tolhido em suas ações, por mais que visem a atender aos interesses da população.
Até aí pode parecer compreensível para as pessoas que essa luta pelo poder aconteça e que haja conflitos. Para dirimi-los e a todos os demais que existem no seio da comunidade, surge o terceiro poder, o Judiciário, cujos membros, os magistrados, têm a dignificante missão de julgar as demandas, com base nas normas vigentes no país. A Constituição é a principal delas.
Em sua obra política, Montesquieu, refere-se a três formas de governo: Monarquia, cuja soberania é exercida sob o princípio da honra; o Despotismo, regido pelo medo; e a República, onde a marca seria a virtude.
No caso das repúblicas, portanto, o princípio que deveria predominar seria o da virtude. Mas já se passaram mais de duzentos e setenta anos desde a publicação de O Espírito das Leis e esse conceito foi evidentemente alterado, ou, pior, deturpado.
Não haveria riscos se os Poderes mantivessem o princípio da virtude atribuído por Montesquieu. Se não tanto, um mínimo de compromisso com as responsabilidades dos cargos públicos. Mas isso não depende dos poderes em si, mas das pessoas que ocupam esses cargos. Aí começa o problema. E se agrava quando se trata do Judiciário, pois a ele é dada a função jurisdicional, ou seja, o poder de julgar. Deveria, portanto, ser integrado por pessoas em condições de exercer tão elevadas funções.
A Constituição exige para os tribunais superiores não só notável saber jurídico, mas reputação ilibada. Esses são requisitos mínimos que, quando não atendidos, os julgamentos são contaminados pela ignorância ou pela venalidade.
O pior é quando, dentre as cortes superiores, aquela que estiver no topo, não for composta por pessoas com um mínimo de decência, de respeito pela Constituição que deveriam respeitar e decidem, elas mesmas, violar os fundamentos elementares da República e da Democracia, intimidando e ameaçando, abusando e usurpando poderes, comportando-se como se estivessem acima da própria Carta que deveriam proteger.
Nesse momento, o Judiciário, que deveria ser o catalizador da paz, da harmonia, transforma-se na motriz da discórdia, da balbúrdia e, como déspota, espalhando o medo, quer assumir a plenitude dos Poderes, inclusive de investigar e punir. Não é esse o Judiciário de que trata a Constituição, pois sua grandeza não comporta nem abusos nem faniquitos de vestais.
*Advogado e jornalista