Sonhei que me encontrava no Amarelinho, no Rio de Janeiro. Os Demônios da Garoa cantavam O Samba do Crioulo Doido. Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, autor da música, sentou-se a meu lado e perguntou:
– É preciso habilitação para dirigir retroescavadeira?
Peguei o celular e pesquisei no Google: Lei 13.097, de 27 de janeiro de 2015. Se a retroescavadeira for usada em via pública, é exigida a habilitação de categoria B.
– Vixe!!!. Vão já criar nova exigência para a elegibilidade de senador!
Nem perguntei o motivo da afirmação. Na incrível velocidade do sonho, fomos transportados os dois para os amplos corredores do Congresso Nacional, onde havia um grande tumulto. Parlamentares de todo o País.
Alguém propusera que o art. 14 da Constituição Federal, § 3º, fosse alterado para que se acrescentasse às condições de elegibilidade a habilitação de motorista, categoria B e, no § 4º, constasse expressamente como motivo de inelegibilidade a falta de habilitação na referida categoria.
De repente, vestido como Brutus (Jason Robards) na cena em que matam César (John Gielgud), no filme de Stuart Burge, outro senador fala:
– Representando meus pares e após saudáveis negociações, apresento proposta alternativa: criar três cargos de motoristas de retroescavadeira, para cada senador e seus dois suplentes.
Grita geral. Deputados federais e estaduais e vereadores queriam que a medida os alcançasse. No mínimo, um cargo para cada parlamentar. Dois apenas para quem ocupasse ou tivesse ocupado cargo na Mesa, fosse ou tivesse sido membro de Comissão, líder do Governo ou da Oposição, pertencesse ou tivesse pertencido a algum partido político. Ou seja, todos seriam beneficiados com dois cargos de “retroescavadores”.
– Com as máquinas! – Gritou um parlamentar com cara de Bebê Johnson. – Assim não precisaremos mais usar as dos governadores e prefeitos.
– Mas se o motorista não quiser obedecer quando lhe for dada ordem para meter a escavadeira nos adversários?
– A gente corta a metade do salário deles!
– Ué! Cortaremos no próprio couro? Já só lhes pagaremos uma parte. A outra, maior, é nossa comissão!
– Então é melhor criar a exigência de elegibilidade. Afinal, tem sido difícil atingir os eleitores somente com palavras. Precisamos atingi-los de verdade. Com a retroescavadeira é mais fácil. Ademais, temos uma vantagem sobre os motoristas: a imunidade. Se um motorista jogar uma retroescavadeira contra uma multidão, será linchado. Se escapar, será indiciado por tentativa de homicídio. Nós temos impunidade garantida.
– E o risco de levar um tiro?
– Aí acusamos o presidente e chamamos os direitos humanos para defender nossa impunidade com base no art. 53 da CF. Ela nos assegura o uso da retroescavadeira para expressar nossas opiniões, palavras e votos!
Ouviu-se um barulho familiar. Uma retroescavadeira vinha em nossa direção. Ao volante, o próprio Adolf Hitler!
Abriu-se o teto e das nuvens surgiu o braço de Zulmira Ponte Preta. Pegou e levou seu sobrinho querido para a proteção dos céus. Foi quando vi Lucinha, num de seus filmes favoritos, A Origem, de Christopher Nolan. Ela entrou no meu sonho e me levou para o dela.
Que o dela se realize!
*Advogado e jornalista.