quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Um livro contra as fake news

Em 2020, pela Editora JusPodium (Salvador,BA), o juiz estadual do Maranhão, Paulo Roberto Brasil Teles de Menezes, publicou um livro que, como informa no Prefácio Francisco Balaguer Callejón (Catedrádico de Direito Constitucional da Universidade de Granada), “é uma versão desenvolvida e ampliada da dissertação de mestrado” apresentada por Menezes perante a banca presidida por Callejón e que “obteve o conceito máximo por decisão unânime da comissão examinadora”, no Curso de Mestrado Oficial em Direitos Fundamentais em Perspectiva Nacional, Supranacional e Global, da Universidade de Granada

O título do livro manteve o da dissertação: Fake News: modernidade, metodologia e regulação.

A abordagem do Autor tem um referencial eminentemente constitucional. Sua preocupação: a democracia. Nem por isso deixa de analisar o fenômeno em si, fazendo-o notadamente no segundo capítulo de seu livro, quando responde às questões sobre o que são, como são, modalidades, formas e finalidades.

No capítulo seguinte sua análise volta-se para o conflito fake news e liberdade de expressão. Entra, então, na polêmica que o mundo vivencia, desdobrando esse embate abordando a liberdade de informar e ser informado, a liberdade e a vigilância da internet, censura pública, estatal e privada, regulação e intervenção do Estado no espaço cibernético, a importância das instituições e da sociedade civil.

Paulo Brasil Menezes enfrentou com inequívoca segurança um tema difícil, infinito (teórica e matematicamente mesmo), apresentando um resultado relevante não só para quem quer estudar ou conhecer o que são e avaliar as consequências das fake news, mas para quem quer conhecer a realidade em que vivemos hoje, ao que estão sujeitas as pessoas de bem, que passam pela vida sem saber que estão sendo manipuladas, usadas, vigiadas.
É inevitável ler esse livro de PBM (ele lançou outro, Diálogos Judiciais entre Cortes Constitucionais, pela Lumen Juris, Rio, 2020), sem trazer à mente, ao longo de toda a leitura, as câmeras do Grande Irmão com as quais George Orwell prenunciaria, com um livro escrito antes de 1949, ano de sua publicação, o célebre Nineteen Eighty-Four, publicado no Brasil sob o título 1984.

Nesse livro, Goerge Orwell (fake news de seu nome verdadeiro, Eric Arthur Blair) trata também sobre a liberdade e a vigilância estatal, que acabou se consolidando, tanto que já não se discute se estamos ou não sendo espionados, mas quem está fazendo isso e quanto invasiva tem sido essa vigilância, pois é ampla, total e descontrolada.

Apesar do alerta de Orwell, há 70 anos, e até de Bill Gattes, Nathan Myhrvold e Peter Rinearson, em The Road Ahead, publicado nos Estados Unidos em 1995 (traduzido no Brasil para A Estrada do Futuro), só em 23 de abril de 2014 o Brasil teve sua lei (12.965) tratando de um marco civil da internet. Norma essa alterada pela Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, que dispunha sobre a proteção de dados pessoais e foi alterada pela Lei 13.853, de 8 de julho de 2019, tratando sobre a proteção de dados pessoais e a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Há pendente, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2630/2020, de autoria do Senador Alessandro Vieira, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Antes de encerrar seu livro, Paulo Menezes analisa esse PL, que é um dentre dezenas de outros que tratam das notícias fraudulentas. E o faz com a inteligência, o bom senso e o equilíbrio com que desenvolveu sua dissertação.

As fake news, porém, como as entendo, ganharam apenas um novo nome, sofisticado como gostam os intelectuais, contra os quais Orwell se insurge no seu terceiro romance (1984 foi o sexto e último), publicado no Brasil sob o título Mantenha o sistema (São Paulo, Hemus), conclamando para um lugar “lá embaixo”, onde “você não tinha contato nem com o dinheiro, nem com a cultura. Nenhum cliente, do tipo intelectual, para quem você tivesse de bancar o intelectual.”

Paulo Menezes sabe disso: “A disseminação de fake news, por certo, não é uma atividade exclusiva dos tempos modernos, tampouco é privilégio da sociedade contemporânea. (…) As fake news já despontam de ‘outros carnavais’”, (…) já vem ocorrendo desde os tempos das civilizações antigas …”, afirma (p.49). O privilégio do ineditismo pertence à serpente, que enganou Eva, no Paraíso.
A própria Constituição tem suas fake news. Tanto que o presidente José Sarney sentenciou que aquela Carta tornaria o Brasil ingovernável.

As FN, portanto, não foram criadas pela web. Nela apenas ganharam mais velocidade e puderam ser utilizadas de forma mais eficaz, para a desinformação.

É contra isso a bela dissertação de Paulo Brasil Menezes. É contra a propaganda do Big Brother que a mídia poderosa propaga, para desinformar a população, instigar o ódio, deteriorar os valores da decência e da moralidade, da honestidade e da responsabilidade, proclamando como o Grande Irmão: Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.

Sua esperança, com certeza, está nos versos de Mary Ann Pietzker publicados em 1872 e com os quais o Autor abre seu livro, citando-a na sua Introdução (p. 39) e nas Considerações Finais (p. 287), acreditando que as pessoas, antes de falar, devem fazer-se as seguintes perguntas: É verdadeiro? É necessário? É gentil?

Mas o ser humano (para evitar o patrulhamento de gênero) é bom e a sociedade é que o corrompe, como disse Rousseau, ou é o lobo de seu semelhante, como preferiu Hobbes?

*Advogado e jornalista. Ex-Promotor de Justiça. Juiz de Direito aposentado.

– Publicidade –

Outras publicações