No tempo em que o tempo passava mais devagar e meu mundo era meu quintal, as novidades tocavam a gente de forma diferente.
Só pra contextualizar o fato, até a década de 70, dados apontam que 27% das residências brasileiras tinham aparelho de TV em casa e que quando o assunto era onde eles se concentravam, 75 % estavam no eixo Rio/São Paulo.¹
No final da década de 60, no mandato de Epitácio Cafeteira, no governo municipal, ele instalou nos bairros de São Luís os telepostos públicos. Que eram estruturas construídas, em alvenaria e cimento, em pracinhas dos bairros da periferia. A construção tinha um nicho quadrado que cabia um televisor de tubo. Para maior segurança, o aparelho era trancado ali por uma grade de ferro.
Não cheguei a ver um teleposto em funcionamento, mas resistia na praça da vila em que morei até 1978, um exemplar, para contar história. Onde antes as famílias se encontravam para assistir aos programas de TV, brincávamos de bicicleta, rouba bandeira e de pular elástico.
Na minha casa tinha um televisor p&b. Meu pai conta, que quando ligavam a tv lá em casa, muitas pessoas espiavam da janela a programação, às vezes eles entravam na sala e se acomodavam como podiam. Não tenho muita lembrança dessa cena.
Mas lembro que tinha, acoplada na parte da frente do aparelho, uma tela azul. De acordo com meu pai, ele comprou de um homem que passou vendendo na porta de casa e ele achou interessante essa tecnologia para “colorir” as imagens.
A televisão, assim como o rádio, era objeto de destaque na sala, era um mundo imaginário, o aparelho era membro da família. Agora imagina só ter acesso a uma emissora de TV? Poder entrar onde a magia acontece?
Na vizinhança do bairro em que morávamos, tina uma emissora de televisão, a TV Difusora. Aaos finais de semana, a tia Françoise nos levava para participar do programa de auditório que acontecia ali, apresentado pelo comunicador Frank Matos. Recordo que ganhávamos muitos LPs e Compactos, que eram os prêmios pela participação no show de calouros.
Os discos eram nossos troféus, aqueles que ganhávamos nas apresentações e os que meus pais compravam. A radiola era um evento a parte. Tenho ainda vários discos guardados dessa época. Mas eu só lembro da segunda radiola que tivemos, e já chamávamos de aparelho de som, ou simplesmente som, era uma 3 em 1 (radio, disco e fita k7).
Eu e minha irmã tínhamos vários discos de historinhas infantis. A coleção Taba² (lançada em 1982 pela Editora Abril Cultural) ainda é uma boa recordação desse tempo. Imagina que fantástico ter acesso a histórias por meio de um disco! E os vinis infantis eram em sua maioria coloridos!
Agora imagina poder passear pela cidade, ir até a sorveteria Elefantinho (tradicional sorveteria que ainda resiste) ou passear na praça Gonçalves Dias e contratar um fotografo para bater retrato da família (porque era assim que fazíamos antigamente), tudo isso a bordo de um automóvel da primeira geração do Corcel.
O Corcel 1 branco, modelo 76, foi uma conquista da minha família. O carro novinho em folha era um sonho realizado.
As novidades vinham também em forma de presente do tio padrinho. Como os patins roller quad Bandeirantes, nas cores bege e vermelho, que ele me presenteou. Dindinho era da Marinha, esse presente era mais que especial, pois ainda não tinha chegado nas lojas da cidade. Muitas quedas, mas também muita diversão.
Tive a oportunidade de olhar de perto o funcionamento técnico de um teatro, pois na época fazia ballet clássico no Reinaldo Faray e ele realizava festivais de final de ano no Teatro Artur Azevedo. Sonoplastia, luzes, cenário, a magia toda ali ao alcance de nossas mãos. Crianças curiosas, eu e minha irmã, revirávamos aquela casa de espetáculos do avesso.
Em Meados da década de 80, eu me deparei com outras modernidades, dessa vez comportamentais. No colégio Marista, onde estudei da 5°série ao 2°ano científico (como se chamava o Ensino Médio na época), vi a primeira menina tatuada da minha vida. Ela era da minha turma. Se não me engano, a tatuagem era um beija flor e uma flor no antebraço. A mesma colega tatuada também me falou das maravilhas de depilar a perna com cera, método até então totalmente desconhecido por mim. Imagina, minha mãe que não me deixava depilar nem com gilette saber disso.
Na mesma escola vi o primeiro menino cabeludo e ali, também, vi um menino, recém-chegado de fortaleza, usando aparelho nos dentes. Eu achava lindo quando Max, era o nome do menino, sorria e os brackets reluziam.
E o que falar das modernas máquinas de fliperama, e também assistir ao filme Bete Balanço (produção de 1984), no Cine Passeio (décadas de 60 a 90), mesmo sendo as únicas meninas com a mãe a tiracolo.
Ah, os meus 15 anos (1986), foi filmado com filmadora de fita, pelo fotógrafo e radialista Raimundo Filho (falecido em 2016).
Mas das tecnologias que mais me emocionaram está o serviço de som da praça Deodoro. Nada supera a sensação de estar atravessando a praça central de São Luís e ouvir tocar “Oração Latina” (1982), do jornalista, cantor e compositor maranhense, Cesar Teixeira, no serviço de som.
Da ficha telefônica ao cartão colecionável (1992), depois o celular “tijolão”, o Nokia PT-550, do meu pai, é certo que a partir da década de 90, a sensação era de que meu mundo estava acelerando. Comecei a trabalhar no jornal O Imparcial e vi num piscar de olhos, a máquina de escrever dar espaço ao computador transformando toda a produção do jornal.
Os aparelhos iam se transformando e transformavam o mundo analógico em digital, era a modernidade, que agora acelerava os dias e nem dava mais tempo de curtir as novidades.
Tive o privilégio de ver e viver muitas tecnologias de perto e sim, sou mesmo saudosista, gosto do que é retrô, vintage, ora se eu mesma já estou vintage (farei 50 em maio de 2022) não é mesmo?
Citações:
- http://www.tudosobretv.com.br/histortv/tv70.htm
- https://www.youtube.com/playlist?list=PL20A010A00A392A9D
Anne Glauce Freire é Bacharela em Rádio/TV, Jornalista e especialista em Jornalismo Cultural.