A impressão que se tem é que o trem se arrasta sonolento pelos trilhos e que ele vai levar uma vida inteira para chegar ao seu destino, isso se chegar. E o meu destino era o final da linha: Parauapebas, no Pará, Pebas como é carinhosamente chamada a cidade que fica no pé da Serra de Carajás.
Aquela era a minha primeira viagem de trem, o final da linha não chegava nunca, o som contínuo do deslocamento dos vagões no trilho, fazia sonolenta a viagem e os passageiros dos onze vagões, composição daquele dia do trem da Estrada de Ferro Carajás – EFC, de uma quinta-feira de maio dos anos 2000.
Na locomotiva, Tereza, a maquinista daquela viagem, avisava que a velocidade não passa dos 70km/h, “nada mal para quem achava que o trem estava quase parando” – pensei com meus botões.
Durmi, e não poderia ser diferente, sonhei, cores borradas em tons de verde e azul, não sei se despertei, mas avistei as mesmas cores através da janela que enchiam meus olhos. Nesse instante lembrei-me do Trem das Cores, música de Caetano Velozo…”Crianças cor de romã entram no vagão” e “o céu de um azul celeste celestial”, continuei observando, eram flores pequeninas ou gotas de ouro salpicadas ao longo dos trilhos?
Na paisagem que passava pela janela quase a 70 km/h, ipês contrastavam com as palhas secas, e montanhas de barro. A velocidade continuava constante, pensei que a paisagem também, mas Tereza, a nossa condutora, me fez pensar diferente. Para ela todo dia a paisagem mudava, porque “a gente vê com os olhos que quer ver”. Lição aprendida! No céu nuvens de algodão-doce se mostravam para mim. Juro que nunca tinha visto um céu tão lindo, quanto o céu que vi da janela daquele trem.
Pelo que me lembro, o percurso do trem até Pebas leva 16 horas de viagem, que significam 892 km de linha, vez por outra uma ponte, um viaduto (são 60 ao todo), e as curvas, que são mais frequentes (347).
Quando se fez um breu através da janela, voltei a atenção para dentro do trem. A paisagem interna também era interessante. Ciceroniana, através dos vagões, por um dos simpáticos e prestativos funcionários, tomei consciência do mundo de gente que tinha naquele mundo chamado trem. Gente de toda raça e cor, de toda sorte e caminho, cada pessoa uma história. Como a moça que reencontrou a filha no dia das mães, sendo que a filha tinha escapado sã e salva do massacre de Eldorado dos Carajás; ou daquela que tentou de tudo para emagrecer e não conseguiu, então partiu para a redução de estômago; ali dentro do trem, naquela minha viagem parecia que todos estavam conectados, mais próximos, mais gente, cúmplices por conta da magia do trem.
Só para se ter uma ideia, uma colega perdeu um anel de aço, falou que tinha valor sentimental, que era presente da filha, então todos se mobilizaram para procurar, com lanternas ou só com boa vontade mesmo até achar! Foi uma cena interessante, bonita de ver.
E melhor foi chegar de madrugada em Pebas, ver as estrelas tão próximas e lembrar de Raulzito: “Quem vai chorar, quem vai sorrir? Quem vai ficar, quem vai partir? Pois o trem está chegando, tá chegando na estação”.