sábado, 27 de abril de 2024

Ianques? Ainda não

Instalações do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil )

Por Saulo Marino

A visita de Jair Bolsonaro (PSL) aos Estados Unidos marca o alinhamento ideológico do governo brasileiro com Donald Trump, mas tem pouco resultado prático. A assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre os dois países, que permitiria aos ianques utilizar a Base de Alcântara, tem mero caráter simbólico, uma vez que após a assinatura o texto necessariamente deve seguir para discussão e aprovação no Congresso Nacional. Somente após essa etapa, caso aprovado, ele entraria em vigor. Esse é o procedimento legal previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro. Em 2000, por exemplo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a assinar documento que tratava sobre o mesmo tema, mas ele nunca saiu do papel por ter sido barrado pelo Congresso.

O governo federal vem insistentemente divulgando que o mercado de lançamentos aeroespaciais movimentou em 2017 cerca de US$ 3 bilhões, um crescimento de mais de 16% em relação ao ano anterior, utilizando como fonte a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos. E, que ao assinar o Acordo, Bolsonaro colocaria o país em um mercado bilionário.

Em reportagem divulgada pela Agência Brasil, órgão de comunicação oficial do governo federal, o gerente-executivo de Assuntos Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Diego Bonomo, afirmou que “o Brasil vai entrar no mercado de lançamento de satélites. Há anos, o Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos aguarda o acordo de salvaguardas com os americanos. Nossa expectativa é de que passaremos a exportar serviços relacionados a essa indústria”.

A Base de Alcântara é internacionalmente reconhecida como um ponto estratégico para o lançamento de foguetes, por estar localizada próxima a linha do equador. Segundo a Agência Espacial Brasileira (AEB), essa posição geográfica pode significar uma redução de até 30% no uso de combustível, em comparação a outros locais de lançamentos.

Entretanto, políticos da oposição e membros da bancada maranhense mostraram-se cautelosos sobre o Acordo. O governador Flávio Dino (PCdoB), que apoia o uso inteligente da Base, afirmou neste domingo que as regras não podem violar a soberania nacional, tão pouco desrespeitar os quilombolas de Alcântara, além de que necessariamente devem trazer contrapartidas para a região.

“A exploração comercial não pode ser monopólio de um país, ou seja, a Base deve estar à disposição de todos os países que queiram usar e tenham condições para tanto. É vital a meu entender que se criem as condições para a retomada do Programa Espacial Brasileiro”, disse em entrevista à Revista Fórum.

“É normal que haja Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, em razão da proteção jurídica à propriedade intelectual. Contudo, o acordo não pode ser abusivo e conter cláusulas que violem a soberania nacional. Também não concordo com nenhuma ampliação de área da Base ou com remoção de mais pessoas. Alcântara já suportou muitos ônus com o projeto. É hora dos bônus, ou seja, caso se consume a exploração comercial é essencial que haja contrapartidas sociais em favor da cidade e da região”, defendeu o governador.

Cabe ressaltar que há mais de 30 anos, comunidades quilombolas de Alcântara estão envolvidas na luta por 62 mil dos 85 mil hectares identificados como pertencentes ao território tradicional. Na época, essas terras foram desapropriadas pelo Governo do Estado do Maranhão para a construção do Centro de Lançamento. Em 1983, o 312 famílias quilombolas foram deslocadas de suas terras sem consulta, sem indenizações ou reparo de danos sociais, culturais, políticos e econômicos.

O acordo dissimulado de Bolsonaro com Trump e a divulgação por parte da imprensa de que os Norte Americanos comandarão o Centro já na próxima semana, além de ser irresponsável, reascende tensões vividas pelas famílias quilombolas que foram expulsas de suas terras. Um assunto complexo, de extrema delicadeza, e que está longe de ser concluído.

– Publicidade –

Outros destaques