quinta-feira, 2 de maio de 2024

O que Pedrinhas tem a ensinar ao sistema prisional amazonense

Familiares de presos acompanham a retirada de corpos de presídio em Manaus por caminhões frigoríficos (Foto: Bruno Kelly/Reuters)

Por Saulo Marino

Uma briga entre facções criminosas seguida de rebelião no maior presídio do Amazonas deixou 55 mortos na última segunda-feira (27) em Manaus. O motim durou 17 horas e deixou cenas de tristeza e barbárie. Segundo a Secretaria de Segurança Pública daquele estado, há decapitados entre as vítimas. São tantos mortos que o governo amazonense alugou caminhões frigoríficos para retirar os corpos.

A incapacidade de administrar o complexo penitenciário levou o governo do Amazonas a tentar terceirizar os presídios, mas a medida acabou sendo proibida pela justiça três dias antes do massacre. Contudo, a opção pela terceirização já foi tomada em outros estados, como na próprio Maranhão, e o exemplo não é dos melhores.

A matança no Amazonas é a maior em número de vítimas em presídios do país desde o massacre do Carandiru, em 1992, em São Paulo, quando a policia assassinou 111 presos na casa de detenção. A tragédia mais recente aconteceu na rebelião no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em 2010 no Maranhão, com 18 mortos. Problemas crônicos seguiram até o final de 2014, quando a penitenciária maranhense era manchete ao redor do mundo. Durante todo ano de 2013, por exemplo, 62 detentos foram assassinados.

“Para enfrentar os absurdos problemas que herdamos no setor, fincamos as nossas estratégias de atuação em 3 vertentes básicas. A primeira delas foi a adequação das despesas no Sistema Prisional às reais necessidades, com mais de 50% de acréscimo, uma vez que a melhoria do policiamento ampliou o número de presos. Em segundo lugar, modernizamos o Sistema, aprimorando tanto a estrutura tecnológica quanto as normas reguladoras, gerando um funcionamento com métodos e procedimentos bem definidos. Em terceiro lugar: a implantação de uma efetiva política de reintegração social, baseada em educação, trabalho e assistência religiosa (com as capelanias)”, explicou o governador Flávio Dino (PCdoB). Desde desde que ele assumiu o Maranhão nenhuma rebelião foi registrada no estado.

As palavras do governador fazem parte de um artigo publicado no dia 7 de abril, época em que ele foi convidado pela segunda vez para fazer palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, justamente para apresentar “a transformação no Complexo Penitenciário de Pedrinhas”. Os êxitos de sua gestão no Sistema Penitenciário do Maranhão também foram alvo de palestra na London School of Economics and Political, a conhecida Escola de Economia e Ciência Política de Londres, universidade pública britânica fundada em 1895.

“Desde 2015, os investimentos em infraestrutura viabilizaram a criação de 4 mil novas vagas no Sistema Penitenciário, o equivalente a 3 vagas novas por cada dia do nosso governo. Construímos 4 unidades e reformamos 29 presídios. Extinguimos as carceragens em Delegacias de Polícia Civil, liberando policiais civis da função de carcereiros e colocando-os para trabalhar nas funções típicas de Polícia. Acabamos com a terceirização desastrada que foi feita no passado e cuidamos permanentemente do aprimoramento dos recursos humanos“, explicou.

Ainda segundo Flávio Dino, no atual governo do Maranhão a Secretaria de Segurança Pública do Estado trabalha firme contra o crime, mas criando oportunidades de reintegração à sociedade. “Tantos investimentos estruturais não seriam suficientes se não fosse a atenção especial às ações de ressocialização. Passamos de 600 internos trabalhando em 2014, para mais de 2 mil em 2018, um aumento de 253%. Atualmente, mantemos 136 oficinas de trabalho em áreas como construção civil, artesanato, confecções, carpintaria e culinária, e 16 laboratórios de informática dentro das unidades prisionais. E ampliamos em 950% a quantidade de pessoas em atividades educacionais, registrando 431 internos aprovados no último ENEM e mais de 6 mil certificados em cursos de educação à distância”, completou.

Sobrevivendo no inferno

Em Manaus, o motim começou na tarde de domingo (26), no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), localizado no km 8 da BR-174. Na unidade havia 1.224 homens, o triplo da capacidade (de 454 vagas), segundo dados do mês passado. No Compaj ainda há outras duas unidades, uma para presos do regime semiaberto e outra para os de regime fechado feminino. O Amazonas possui 11 unidades prisionais, e a rebelião em questão teria sido motivada por uma briga entre as facções Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC), enquanto grupos de WhatsApp compartilhavam freneticamente áudios anônimos de supostos líderes da FDN determinando toque de recolher na capital amazonense.

Contudo, os presos em Manaus estão sem assistência jurídica, educacional, social e de saúde. O sistema foi classificado como “péssimo” pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Compaj. Segundo o jornal Valor Economico, a unidade não conta com aparelhos para detectar a entrada de metais nem equipamentos para bloquear sinal de celular, e as revistas para a entrada de visitantes são feitas por 94 agentes penitenciários que se revezam entre três turnos.

“A livre circulação de drogas na penitenciária é uma rotina “comum”, segundo a associação dos agentes penitenciários terceirizados. Presos provisórios também dividem celas com detentos já condenados. Esse quadro é propício para a insurgência de facções criminosas, que passaram a atuar dentro da unidade”, publicou o diário.

Uma dia após a chacina, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), afirmou durante coletiva de imprensa que não irá pagar nenhuma indenização à família dos detentos. “Não temos dinheiro para isso, estamos endividados e agora vamos pagar a primeira parcela do 13º salário dos funcionários, é a prioridade”, destacou. Ele disse também que utilizará os R$ 44,7 milhões de repasse que o Fundo Penitenciário do Amazonas recebeu do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para reforma a unidade.

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